sábado, 2 de outubro de 2010

Desabafo

Levante a mão quem não quer um amor egoísta,
avassalador, que ultrapasse os limites? Um amor que
não peça licença, que não fale bom-dia? Um amor que
esqueça o passado e dê de ombros ao que possa vir?
Um amor todo tremor e insuficiência? Um amor que
deixe idiota e torne o corpo inteligente? Quem não
quer, hein? Um amor incondicional, absurdo e ilegível
aos colegas? Um amor que não faça pensar em outra
coisa além dele?
Não invejo esse amor. Desconfio desse amor. Amor
não é privação. Confortável amar uma mulher isolada
de seu contexto. Levá-la para um lugar longe do
incômodo, uma praia ou uma serra, enchê-la de mimos
e palavras fortes. Sussurrar presságios e fugir com o
vento. Não preciso me isolar para amar, amo para me
reunir. É confortável ser amante sem a necessidade de
permanecer para conversar. Sem ouvir. Sem a
delicadeza da distância. Sem o respeito da saudade.
Árduo e puro é ser amante dia-a-dia, no meio das
tarefas e pressa do emprego, no meio das contas e do
fim do mês, e encontrar um jeito de não amaldiçoar a
rotina. Ser gentil apesar das expressões cortadas e do
apuro.
Um amante que fecha as portas dos armários e abre as
portas de casa. Um amante que fica para fechar o
vestido que abriu.


Fabrício Carpinejar

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